O Supremo Tribuna Federal, ao julgar o MS 34751/CE, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.8.2018 (Informativo nº 911 – 13 a 17 de agosto de 2018), trouxe a lume questão importante, no que tange à obtenção de prova, que mostra o espectro de reflexo que o tema pode ter, no caso específico, abarcando o âmbito criminal e o âmbito administrativo.
O caso concreto refere-se a um processo administrativo disciplinar que decorreu do encontro de provas em sede de inquérito policial, senão vejamos:
O processo disciplinar decorreu de provas obtidas no bojo de inquérito policial que apurava a prática de homicídio por policiais militares. Nesse contexto, foi efetivada interceptação telefônica que identificou supostas tratativas de promotor de justiça com o advogado dos investigados, a indicar a ocorrência de outro crime. Por essa razão, a autoridade policial comunicou o fato ao juízo original, o qual remeteu as provas ao Procurador-Geral de Justiça.
Vê-se que havia uma persecução criminal in limine que, através de obtenção de prova lícita, no caso interceptação telefônica, identificou indício de prática de crime diverso por parte de promotor de justiça.
O case, assim, deparou-se com um problema preliminar, ou seja, a questão da identificação de uma suposta prática ilícita por quem seria detentor de foro por prerrogativa de função. Nesse caso, duas situações podem se apresentar:
1 – O suposto fato ilícito tem relação direta com o crime investigado no inquérito policial: Nessa situação, caberia ao Delegado de Polícia suspender toda investigação, encaminhar os autos ao Procurador Geral de Justiça (neste caso, a nosso ver, via o respectivo juízo, devido as medidas cautelares em andamento), para que a investigação continuasse com o órgão competente para tal.
2 – O fato ilícito não tem ligação com crime investigado: Nessa situação, cabe ao Delegado de Polícia, extrair as peças que fazem alusão ao suposto ilícito praticado por quem detém foro por prerrogativa de função, e encaminhar ao órgão competente, dando continuidade à investigação primeva; providência que, pelo que foi exposto, foi tomada pela autoridade policial.
A defesa, em suas razões, alegou que houve mácula no procedimento, uma vez que caberia à Autoridade Policial interromper imediatamente a investigação e encaminhar o feito à autoridade competente, senão vejamos:
O impetrante aduz a ilicitude das provas, ao fundamento de que a autoridade policial deveria ter interrompido imediatamente o inquérito, no momento em que tomou conhecimento das suas conversas, e remetido todo o processo à autoridade competente, a quem caberia decidir sobre o desmembramento do feito.
Há de se observar que a questão trata de um inquérito policial, cuja condução cabe à autoridade policial, estando afeta a essa, assim, neste momento da persecução, a decisão de separar o feito, o que estaria dentro do seu âmbito de atuação e em conformidade com a legislação que cerca o tema.
Nesse sentido, a decisão jurídica tomada pela autoridade policial de separar os feitos estava dentro do seu escopo de atuação, e evitou eventual vício de competência e/ou atribuição, mantendo hígido a persecução criminal in limine, bem como eventual persecução decorrente da citada prova, não havendo de se falar em vício no procedimento.
Outro aspecto importante que cerca o tema diz respeito à obtenção da prova em si, uma vez que a defesa, como visto acima, tentou afirma que a obtenção da prova estaria viciada, e sua utilização no âmbito administrativo contaminada por derivação.
Há de se observar que, no presente caso, a prova colhida, que apontava para suposta prática criminosa por parte de indivíduo detentor de foro por prerrogativa de função, deu-se de forma fortuita, e, além disso, apontava para fato delituoso distinto do investigado no inquérito policial, apontando para a incidência do princípio da serendipidade, que possibilita o reconhecimento de licitude da prova ou da fonte de prova de outra infração penal, obtida no bojo de persecução que não abrangia o que foi, inesperadamente, revelado. (Távora, 2016, p. 635).
O STF reconheceu essa realidade, apontando, lícita a fonte da prova e sua utilização em processo administrativo decorrente, senão vejamos:
Para o colegiado, no entanto, a hipótese foi de encontro fortuito de provas. O telefone interceptado não era do membro do Ministério Público. Assim que se identificou que uma das vozes seria do impetrante, o qual teria praticado outro crime que sequer era objeto da investigação inicial, essa parte do procedimento foi deslocada à autoridade competente, que instaurou regular procedimento investigatório.
O STF. neste caso específico, apontou como requisitos da licitude, os seguintes aspectos:
1 – O telefone interceptado não pertencia ao detentor do foro de prerrogativa de função (Membro do Ministério Público;
2 – Identificou-se a prática outro crime que sequer era objeto da investigação inicial;
3 – A parte do procedimento vinculado ao detentor de foro por prerrogativa de função foi deslocada à autoridade competente
4 – Foi instaurado regular procedimento investigatório por autoridade com competência e/ou atribuição específica.
Nesse sentido, não há de se falar em ilicitude da prova colhida e do procedimento administrativo, e mesmo criminal, decorrente da referida fonte probatória, devendo a presente situação ser estuda, uma vez que pode ser objeto de questionamento em provas.
Continue nos seguindo, iremos analisar nas próximas postagens questões envolvendo o referido tema.
Obs 1 – Não confundir o princípio da serendipidade com a teoria da descoberta inevitável, pois essa teria como fonte primeva uma prova, em tese, ilícita, o que não se identifica no primeiro caso.
Obs 2 – Ver os seguintes artigos:
- CRFB: Art.5º, LIII, LVI; art. 108, I, a; art. 130-A, § 2, III.
- LC nº 75/1993: Art. 252 e seguintes;
- Lei nº 8625/1993: Art. 80.
- CPP: Art. 4º, art. 84; art. 157.
- Resolução º 92/2013 do CNMP: Art. 5º, I.
Bibliografia:
STF. MANDADO DE SEGURANÇA: MS 34751/CE 0003850-80.2017.1.00.0000. Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.8.2018. STF, 2018. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm. Acesso em 28 ago. 2018.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11 ed. rev., ampl., e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.
TÁVORA, Nestor; ARAUJO, Fabio Roque. Código de processo penal comentado. 9 ed. rev., ampl., e atual. Salvador: JusPodivm, 2018.