1. Pequeno Histórico.
O uso do Instituto da Colaboração Premiada teve sua gênese no início dos anos 90, com a promulgação de leis que previam a possibilidade de redução de pena, ou mesmo o perdão judicial com a consequente extinção da punibilidade, para os agentes que colaboravam com a elucidação de ilícitos penais envolvendo quadrilha, bando, ou organização criminosa.
A denominação primeva variava entre colaboração, delação premiada, denunciação premiada, e ainda colaboração espontânea; firmando-se, a partir da Lei nº 12.850/2013, sob o nomen iuris Colaboração Premiada.
Nesse sentido, o Artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8072/90, prevê que:
O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços (Grifo nosso).
A Lei nº 9034/95, que tratava sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, em seu artigo 6º, previa que:
Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria (Grifo nosso).
OBS: A Lei 9034/95 foi expressamente revogada pela Lei nº 12.850/2013, conforme o disposto no artigo 26 desta última.
Outrossim, a Lei nº 9807/99, por sua vez, em seus artigos 13 e seguintes, prevê que:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Há de se observar que tanto os institutos previstos na Lei nº 8072/90 e na Lei nº 9807/99 continuam em vigor, mantendo sua aplicação para os casos específicos que preveem.
Não se pode olvidar que, no caso específico da Lei n 8072/90, o nomen iuris previstos em seu artigo 8º, ou seja, bando ou quadrilha, referindo-se ao artigo 288 do Código Penal Brasileiro, foi alterado para associação criminosa, conforme o disposto no artigo 24 da Lei n 12. 850/13.
Outrossim, vê-se que, no caso específico da Lei nº 9807/99, o seu espectro abarca qualquer situação, mesmo fora ou aquém dos contexto de associação criminosa ou organização criminosa.
2. Legislação Atual.
O Brasil, como signatário da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, Convenção de Palermo, comprometeu-se a combater o crime organizado, promulgando o Decreto nº 5015/2004, e posteriormente, a Lei nº 12. 850/2013.
A Lei nº 12. 850/2013, com o objetivo de aprimorar a persecução criminal em relação ao crime organizado, define organização criminosa, dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas, e o procedimento criminal envolvendo tais situações.
A presente lei conceitua organização criminosa no seu artigo 1º, § 1º, como sendo:
A associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
É no contexto da atuação da organização criminosa, que se insere a Colaboração Premiada, conforme o previsto nos artigos 3º, senão vejamos:
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I – colaboração premiada;
[…].
O artigo 4º, por sua vez, prevê as possibilidades legais advindas da colaboração premiada, além dos requisitos para sua aplicação, senão vejamos:
a) Quanto as possibilidades:
A lei prevê três (03) possibilidades no que tange à colaboração premiada:
1ª. Perdão Judicial: O que implicaria extinção da punibilidade do agente colaborador, conforme o artigo 107, IX, do Código Penal Brasileiro;
2º. Redução da Pena em até 2/3: O que implicaria em uma causa de diminuição de pena;
3º. A Substituição da pena: De restritiva de liberdade por resritiva de direito.
b) Quanto aos requisistos:
A lei prevê as seguintes exigências:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada
OBS: Há de se observar que a lei condiciona os referidos requisitos à personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração, o que deve ser avalidado pelo juiz na hora decisão quanto às consequências da medida.
Aqui caba abrir um parentese, pois, a despeito da ampliação prevista no § 2º, do artigo 1º, da Lei nº 12.830/2013, importante reforçar a aplicação dos diversos institutos que hoje são previstos na legislação pátria quanto a essa questão, que continuam em vigor e com aplicação possível, senão vejamos:
Delação Premiada – Lei nº 8072/90, artigo 8º, parágrafo único, aplica-se aos casos de crimes praticados nos moldes do previsto no artigo 288 do Código Penal Brasileio, ou seja, mediante, associação criminosa.
Colaboração Premiada (ou Delação Premiada) – Lei nº 9807/99, artigo 13 e seguintes, aplica-se a qualquer acusado, mesmo fora do espectro legal de associação ou organização criminosas.
3. Discussões Doutrinárias:
Dentro do escopo desta análise, importante analisar a discussão doutrinária que envolveu a legitimidade da ação do MP e da Polícia Judiciária no que tange à proposição da delação Premiada.
3.1. Legitimidade: MP e/ou Polícia Judiciária (Delegado de Polícia).
O Artigo 3º, caput, e inciso I, prevê que a colaboração premiada poderá ser utilizada ” em qualquer fase da persecução criminal”, o que pressupõe o seu uso tanto na persecutio criminis in limine – por ocasião do inquérito policial, ou algum procedimento de investigação criminal do Ministério Público; ou durante a persecutio criminis in iudicio, o que pressupõe a possibilidade do seu uso durante toda ação penal, até antes do trânsito em julgado.
Há de se observar que os § § 2º e 4º, do artigo 4º, preveem que tanto o Ministério Público, quanto o Delegado de Policia, no âmbito do inquérito policial, poderão formalizar o acordo de colaboração, com os requisitos ali postos.
O Ministério Público, a partir do exposto no referido artigo, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade em que apontou a inconstitucionalidade da referida norma, por ferir a atribuição constitucional de dominus litis do parquet, requerendo, assim, a exclusividade da possibilidade do fazimento do acordo da colaboração premiada, afastando a atuação do Delegado de Polícia.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn nº 5508, já se manifestou, em maioria, pela constitucionalidade da atuação do Delegado de Polícia na realização do referido acordo, parecendo pacificar a referida discussão.
3.2. O Sistema Acusatório, Princípio da Impessoalidade, e as atuações de exceção.
Outra questão importante, a partir e além da decisão posta, envolve a higidez do sistema acusatório, que exigiria uma definição específica das posições dentro do processo, de modo a preservar o princípio da impessoalidade, evitando, ainda, a formação de eventuais julgamentos e/ou tribunais de exceção, conforme prevê o artigo 5º, XXXVII, da CRFB.
Nesse sentido, para manter a paridade das partes e, portanto, o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa, o ideal seria que aqueles que participaram do acordo da colaboração premiada não figurassem na ação penal, seja como domunis litis, seja como testemunha, ou qualquer outro ator processual.
Assim, caso o MP tenha sido um dos partícipes do acordo, o referido membro do parquet deveria se afastar de eventual denúncia ou participação no processo; outrossim, se o fato foi acordado por delegado de polícia, esse não deveria participar do processo, mesmo que sob a condição eventual de testemunha.
Essas precauções manteriam a persecutio criminis livre de máculas decorrentes de eventual pessoalidade gerada durante o processo de acordo de colaboração premiada, mantendo em devida ordem o processo e o sistema acusatório.
4. Conclusão.
O acordo de colaboração premiada, assim, é um instrumento que pode ser utilizado tanto na persecutio criminis in limine, seja pelo MP – através de um Procedimento Investigativo Criminal, seja pela Polícia Judiciária – através de Inquérito Policial; ou durante a persecutio criminis in iudicio, tendo como limite o trânsito em julgado, cujo fim seria a obtenção de informações que visem a desmantelar a organização criminosa, possibilitando vantagens processuais e penais ao agente colaborador.